sexta-feira, 23 de abril de 2010

Nº1

Não se pode falar de Democracia em Portugal, mais ainda tão próximos de seu aniversário, sem referir um dos meus Ídolos políticos: Mário Soares, fundador do Partido Socialista e pai da democracia portuguesa deu uma excelente entrevista à revista Única, subordinada neste número aos temas do poder e influência, vem revelar-nos descomplexadamente como o exerceu revelando a todo o momento a solidariedade e patriotismo por que se pautou.


Estes valores sobressaíram em especial, quando abandonou a via parlamentar (que assume preferir) para se encarregar da liderança de três governos particularmente difíceis; quando tomou a (mais) impopular medida de não entregar o 13º mês, ou a ainda mais impopular de proceder velozmente à descolonização.

Em todas as situações, fê-lo "sem medos" já que não há espaço para o medo no cargo de primeiro-ministro. "Nem deve haver" reforça. Pois apesar de reconhecer méritos próprios na construção de um país que apresenta "progresso em 36 anos de democracia, em todos os sectores" também confessa humildemente que "nunca gostou de números", característica indispensável para quem pretende chefiar um governo. Mas isso porque é “Um humanista de formação” mostrando-nos a importância da coragem e ousadia em cargos de governo: "Perguntei-me várias vezes, como é que eu, que nunca fui um grande aluno, que nunca me destaquei nem na universidade, nem no liceu, era o líder, apesar de eles - em referência a Jorge Sampaio e António Guterres - terem todos mais preparação e conhecimentos do que eu tinha e reconhecia? Cheguei à conclusão que era eu que tinha coragem de avançar quando outros hesitavam e tinha confiança em mim próprio para decidir e não pensar mais nisso". Diz ainda que na vida só soube, independentemente do extensíssimo currículo profissional que detém, fazer duas coisas bem: "Falar e Escrever".

Tinha três anos quando Soares foi reeleito em 91 com uma maioria considerável. Não me recordo da eleição, mas recordo-me sim de meus pais me explicarem que aquele senhor na televisão - gorducho e de bochechas rechonchudas pelas quais ficara conhecido - era o Presidente da Nação, que era a pessoa mais importante entre todos os Portugueses, escolhido entre eles, para os aconselhar e representar. Adquiri talvez aí a noção de qual é o papel do Presidente numa democracia pluri-entitária, personificada naquele senhor afável e educado que conversava despudoradamente com as populações, compreendendo suas dificuldades e mediando as suas relações com as demais figuras estatais, figuras que nem sempre - a começar governo vigente na altura - se mostravam solidárias e abertas. Quando tive o privilégio de acompanhar sua terceira candidatura em 2006 (de Norte a Sul do país) encontrei a força, a sensatez e sobretudo a simplicidade pelos quais todos o conhecemos: nas diferentes sessões, enquanto os demais dirigentes do partido e mandatários independentes iniciavam suas intervenções endereçando-se à audiência acentuando os títulos dos indivíduos que de entre a plateia se destacavam - excelentíssimo senhor mandatário, caríssimo senhor presidente da câmara municipal, elevadíssimo senhor director de campanha, Soares usava apenas três palavras com as quais se referia a todos por igual. "Meus queridos amigos". E de facto, todos lhe reconhecemos a "intuição e jeito para lidar com as pessoas" e "a referencia política e ética", como em Novembro de 75, nos governos constitucionais que integrou e presidiu e enquanto presidente da república, foi muito nosso amigo.

Derrotado em 2006, temi naquele momento observar a despedida de Mário Soares. Mas ao contrário do que previra, continua a ser indispensável ao regime que ajudou a criar, ao Portugal livre que viu e fez nascer. Dando entrevistas, fazendo comunicados e percorrendo o país nas condições que os oitenta e cinco anos ainda lhe permitem. Também no PS onde milita "Não esqueço que sou um dos fundadores do PS. Até me deram o cartão de militante nº1".