terça-feira, 13 de abril de 2010

Lei da Selva

Apanhei, na sala de espera para o dentista, uma revista Courier que trazia consigo um artigo desconcertante. 'Delito de Solidariedade' retratava uma situação dramática vivida na cidade de Calais, cidade do Norte Francês situada apenas a 240 km de Dover na costa Britânica.
A lei de imigração Francesa particularmente dura - inclui o pré-pagamento de uma quantia monetária elevada e a espera paciente ao longo de vários meses até que a situação se estabilize – condições que dificultam claro a nacionalização. O racismo e assédio policial sentido ajudam também a tornar o país num destino desaconselhável para os imigrantes que pretendem alcançar Inglaterra onde beneficiarão de facilidades como a língua acessível ou a obtenção facilitada de asilo político cuja transição para o estatuto de cidadania está prevista ao abrigo da lei britânica. Em consequência a cidade tornou-se na casa de milhares de refugiados, baptizado por "the jungle" e levando a que a Cruz Vermelha Internacional, apercebendo-se da situação dramática que milhares de indivíduos viviam, houvesse aberto um centro de apoio na comuna de Sangatte (equivalente a freguesia) que chegou a albergar 2500 pessoas de uma só vez. Encerrado contudo em 2002 pelo então ministro do interior Nicholas Sarkozy deixou os refugiados ao abandono na Selva, sob as condições miseráveis retratadas em Welcome, a longa-metragem de Philippe Lioret que acompanha a epopeia de um jovem Curdo com destino ao Reino Unido - são obrigados a tomar banho em águas residuais da fábrica Tioxide contraindo um sem-número de doenças e a subsistir nas matas que circundam a cidade onde sobrevivem acampados na esperança de não serem capturados pela polícia ou agredidos pelos passadores que exploram a situação dramática com vista ao lucro monetário.
No ano passado, uma operação governamental liderada pelo ministro Éric Bessón prendeu 278 imigrantes ilegais em Calais que começou por afirmar que a sua permanência no país estaria fora de causa, não obstante de um quarto da população d'A selva ser menor de idade e a grande maioria constituída por aqueles cujas posses são de tal ordem reduzidas, que apenas por esse motivo não conseguiram ainda alcançar a Ilha. Há que ter em conta que desde que foi eleito, em 2007, Sarkozi e seus governos expulsaram mais de 45000 imigrantes - a sua maioria vitima das guerras na África setentrional ou do médio oriente, de onde provém. Mas o mais preocupante é a existência de uma lei - L622-1 do código Penal Francês - que prevê a punição de todo e qualquer individuo forneça dinheiro, comida ou acolhimento a um imigrante ilegal; inclui ainda uma sanção violenta a quem, com conhecimento, se recuse a denunciar situações da permanência ilícita de outrem no país. A lei é comparada pelas associações dos direitos humanos, à que vigorara durante a ocupação Nazi do país durante a década de 40.
Nunca pensei ver a ser punida a solidariedade - valor pela qual o meu Partido e eu próprio, nos batemos a todo o momento para glorificar. Fortaleceu-se com o lema da revolução (também) francesa, implicando que para além de livres e justos os homens, também devem ser capazes de se entre ajudar ainda que sem visar qualquer benesse. Em Portugal, durante o holocausto acolheram-se centenas de Judeus fugidos das perseguições, dos quais muitos somos descendentes. Mas nos dias de hoje, o alheamento e desinteresse apoderaram-se do espírito português, havendo este ganho uma tendência para se afastar dos problemas dos demais - talvez um 'direito' trazido pela queda da ditadura. Hermano Ruivo, autarca parisiense Lusó-Francês, levantou a voz e desafiou Sarkozy entregando publicamente um certificado a uma imigrante ilegal com apenas 18 anos cuja situação precária poderia conduzir à sua repatriação. Houvesse Ruivo quedando-se em Portugal reconheceria por certo como muitas vezes é difícil, em terras Lusas e enquanto autarca, apelar à solidariedade das populações; mas enquanto nós por cá lutamos contra a indiferença dos demais portugueses, ele português luta contra a tendência eugénica do governo nacionalista de Sarkozy.

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